“Esta reforma não é aprovada pela sociedade”, diz presidente do Dieese

Publicado em 10/04/2017

PEC 287 retira direitos e sequer cita questões referentes à receita da Previdência e sua gestão

Imagem da notícia “Esta reforma não é aprovada pela sociedade”, diz presidente do  Dieese

O Brasil precisa discutir uma reforma da Previdência  que leve em consideração a relação da política de Seguridade Social com outros problemas importantes para o país: a segurança alimentar, a proteção à velhice e a redução do número de filhos por família, por exemplo. A PEC 287 não considera nada disso. Nem temas específicos do sistema previdenciário, como a necessidade de ter receitas que o sustentem no longo prazo e uma gestão eficaz são levados em conta na proposta do governo Temer. Muito menos as mudanças em curso no mercado de trabalho.

Para Clemente Ganz Lúcio, presidente do Dieese, não há sentido em realizar uma reforma assim, que retira direitos sem ouvir sociedade, por um governo sem legitimidade para fazê-la. Ele usa como exemplo a Lei da Terceirização, sancionada por Michel Temer em 31 de março. As empresas acham que vão acabar os contenciosos trabalhistas, mas não é isso que vai acontecer. O movimento sindical vai continuar denunciando à Justiça a precarização, prevê. É um lei ruim, não deveria ter sido feita.

Os recuos anunciados pelo governo e pelo relator da PEC 287, Arthur Maia (PPS/BA), não mudam o fato de que o projeto retira direitos e dificulta o acesso a benefícios. E, pior, não vão garantir a saúde da previdência pública brasileira. É preciso articular a reorganização pensando no comportamento do mercado de trabalho no longo prazo, em uma sociedade que tende cada vez mais a deslocar os empregos para o setor de serviços, reduzir cada vez mais a permanência em empregos estáveis, um fluxo de entrada e saída do mercado de trabalho mais intenso, tempos contributivos menores, tendência de maior instabilidade no mercado. Em um mercado mais desestruturado, tem que se pensar outra fonte de financiamento da Previdência. É evidente que a participação contributiva na folha tende a diminuir, se nada for feito. Então um pensamento estratégico da Previdência exige uma discussão tributária, para manter os atuais direitos, raciocina.

Veja abaixo a entrevista de Ganz Lúcio ao Previdência, Mitos e Verdades sobre a PEC 287 e os possíveis desdobramentos da resistência contra a reforma.

Previdência, Mitos e Verdades – Entre fevereiro, quando o Dieese fez um seminário sobre a reforma da Previdência para as centrais sindicais, e hoje, qual a diferença no debate público sobre a PEC 287?
Clemente Ganz  O movimento social e sindical conseguiu contextualizar a proposta de reforma que o governo está fazendo e, de alguma maneira, rebater aquela avalanche que vinha, em que o governo dizia que a reforma era necessária e que não trazia nenhuma perda de direitos, que não seriam suprimidos e que esta era uma reforma responsável com as gerações futuras. Esse era discurso do governo desde o final do ano passado. O movimento social começa a mostrar, primeiro, que a reforma traz, sim, perdas substantivas. Reduz, suprime direitos. Segundo, que não necessariamente o cenário colocado para frente pelo governo é o único possível, que existem outras possibilidades. Terceiro, que um projeto de reforma deve dar conta de olhar para a receita e para a gestão da Previdência. Para além, portanto, de fazer somente uma revisão dos parâmetros. Precisa considerar melhorias na gestão que reduzam despesas porque corrigem distorções e aumentem a receita porque melhoram a capacidade de arrecadação. E olhar para outras fontes de financiamento da Previdência.

O que mudou de janeiro para cá é que há um processo maior de mobilização e de intervenção da sociedade neste tema. E essa mobilização não é somente concentrada em São Paulo, começa a repercutir no território e na base do governo no Congresso. A repercussão no Congresso começa a mudar o posicionamento dos parlamentares, que era de adesão total ao projeto. Eles começam a colocar questionamentos. Tem o PSDB discutindo que precisa fazer mudanças no projeto. É a base do governo e é um partido que dizia que a reforma era necessária. O Renan Calheiros e oito senadores saindo com uma nota que diz não é bem assim.

Houve a aprovação do PL da Terceirização.
Conforme o debate da Previdência se acirrou, o governo testou sua força com o PL da Terceirização. Aprovou, mas não com a maioria que imaginava, uma proposta bem mais fácil de passar. É um projeto mais restrito do ponto de vista do debate público, você não tem capacidade de mobilizar a sociedade de maneira contrária como tem em relação à Previdência. Agora, os efeitos econômicos do projeto, materializado do jeito que está hoje, visualizando possibilidades para a frente Não quer dizer que irão acontecer, não acredito que as empresas sejam loucas e que vão terceirizar de qualquer jeito. O que tem é que, dependendo do desdobramento você pode ter uma reforma sindical e pode ter uma minireforma tributária por dentro do projeto da terceirização. Essa reforma tributária impacta a receita da Previdência.

O que é esta minireforma tributária?
É a chamada PJotização, os trabalhadores de nível médio e de nível superior serem progressivamente pressionados pelas empresas para se transformarem em pessoas jurídicas. Ao se transformar em PJ, o indivíduo é simultaneamente trabalhador e pessoa jurídica. E quando faz a contribuição da empresa para a Previdência acha que já está contribuindo como pessoa. Não está. A contribuição do trabalhador deixa de acontecer, ou seja, a Previdência perde a receita do indivíduo, do trabalhador, no curto prazo e esse trabalhador perde o direito à aposentadoria. No dia em que chegar a 35 anos de contribuição, vai ter somente o comprovante da empresa para mostrar. Seria necessário um grande trabalho de conscientização previdenciária para que todos os PJs contribuíssem simultaneamente como pessoas físicas e como pessoas jurídicas, e não é simples as pessoas compreenderem isso. Essa é a reforma tributária e previdenciária que está por trás da terceirização.

A lei é ruim.
É uma lei perversa para o governo, para os trabalhadores e as empresas, que acham que estão indo muito bem mas podem quebrar a cara. Se a lei não cria um ambiente de maior segurança para empresas, trabalhadores e governo, para que ela existe? Os empresários acham que porque está na lei que podem terceirizar qualquer coisa seus passivos trabalhistas vão acabar. Vamos ver. É muito provável que os trabalhadores continuem pressionando as empresas, que vão continuar a ter preocupação com a Justiça e o governo precise mudar a lei, porque vai perder arrecadação. Se a lei vai criar tudo isso, não deveria ter sido feita. Foi feita porque o país está perdendo o rumo e porque os empresários queriam uma solução. Como têm milhares de ações na Justiça com passivos trabalhistas enormes, querem deixar de acumular esses passivos. Mas os sindicatos vão continuar entrando com ações na Justiça dizendo que o que tem é precarização, subordinação, impessoalidade e portanto é um vínculo de trabalho. Ah, mas a lei diz que não tem!. Então, vai para a Justiça. Espero que o movimento sindical amplie o processo de denúncia e ações judiciais para denunciar a precarização. O problema vai se ampliar em vez de se resolver. Uma lei que desse proteção sindical faria com que os problemas diminuíssem, com que os acordos fossem feitos na base, bons contratos, sem precarização.

Quais são os principais problemas da PEC 287?
No geral ,as pessoas se colocam contra a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres e acho que a idade não é o maior dos problemas. Uma parte razoável das pessoas se aposenta aos 65 anos. Para as mulheres, se iguala ou não, é um debate a ser feito. Mas o principal problema são todas as outras regras, muito mais severas do que os 65 anos. Os 25 anos mínimos de contribuição, o cálculo da aposentadoria de 51% mais 1% por ano trabalhado, que dá 49 anos de contribuição para ter aposentadoria recebendo o teto; o limite de não poder acumular pensão; o fim da vinculação do salário mínimo para a pensão, a possibilidade de reduzi-la até para meio salário mínimo; os trabalhadores rurais passarem a contribuir individualmente; a diferença entre homens e mulheres ser zerada em uma única etapa, sem nenhuma contrapartida para dar maior igualdade à presença da mulher no mercado de trabalho e para os cuidados que recaem sobre elas, de crianças e idosos. A sociedade não reconhece nenhuma dessas condições como algo que a Previdência tem que recepcionar.

Em termos estratégicos para a Previdência, é um bom projeto?
Não, porque desvincula a Previdência de outras questões e de outras política, como número de filhos por família, investimento na educação, na qualidade de vida das crianças, proteção aos idosos há um conjunto de relações entre a Previdência e essas políticas no qual a Previdência viabiliza a política. Parte da seguridade alimentar, dada ao país pela presença da agricultura familiar, existe pela garantia que o sistema previdenciário dá de aposentadoria a trabalhadoras e trabalhadores rurais de maneira diferente. A hora em que você acaba com isso, desestimula as pessoas a permanecerem produzindo no campo, porque uma das vantagens que elas têm é a garantia de, aos 55 anos as mulheres e, 60 anos os homens, poder se aposentar. Ter essa renda garantida dá uma segurança às pessoas sobre o futuro. Se ela não for mais garantida, como pretende a PEC 287, comprometemos a segurança alimentar. Se a contribuição passa a ser individual na agricultura familiar (hoje é pela família), significa que vamos novamente subordinar as mulheres aos homens, porque na hora de contribuir a decisão será para que o homem contribua. Quem pensou essa política não pensou em como essas coisas estão conectadas. Se os trabalhadores rurais têm que contribuir mais, de que jeito fazer isso? Pode aumentar a alíquota da contribuição sobre a produção, pode incluir o agronegócio como contribuinte.

E se a PEC for aprovada?
Vamos ter uma lei ruim, que não vai resolver o problema, e daqui a um curtíssimo espaço de tempo vamos ter que discutir uma reforma séria da Previdência. Vai ser mudado, por ser menos ruim do que a proposta original, mas não vai resolver o problema porque o problema de déficit da Previdência não será resolvido, não está tendo o tratamento adequado para isso que seria olhar para os servidores, que têm um custo muito alto e um financiamento decorrente de decisões tomadas desde 1988 no Brasil, e não é colocando isso no custo geral da Previdência que se resolve. Servidor público precisa de uma regra de transição que é longa, que já está desenhada.

O governo autorizou mudanças na PEC 287 e o deputado Arthur Maia, o relator, diz que seu texto será diferente da proposta original.
Os recuos pioram o projeto. Muito provavelmente esta discussão vai se estender até o final do ano e existe uma chance razoável de não conseguir uma conclusão. Pode ser que o governo decida fazer mudanças menores na Previdência, mudanças parciais. E pode ter, inclusive uma situação em que a decisão não seja tomada. Pode ter outras crises, pode ter crise com o governo. O quadro está muito instável e muito em aberto. Hoje não dá para dizer o que vai acontecer. Olhando para o quadro atual o mais provável é que o governo aprove a reforma com mudanças em relação ao projeto original.

Evidente que o governo sabia que seu projeto original não seria aprovado na íntegra. Talvez o que aconteça é que haja mudanças superiores ao que o governo imaginava, que o governo acumule forças internamente e venha a aprovar, por outras concessões que pode fazer. Tem uma agenda enorme no Congresso, partidos, caixa 2 dependendo do acordo a ser feito pode ser que a história passe. Então ,não é simples, acho que está se tornando cada vez mais evidente que este é um assunto extremamente polêmico e o governo não tem aquela tranquilidade imaginada para conduzir a reforma.

O dia 28 de abril, marcado pelas centrais para fazer uma paralisação geral, é uma data importante nesta disputa?
Há um trabalho sindical sendo feito na base dos parlamentares, para que eles se deem conta de que a população sabe o que eles estão fazendo. As pesquisas mostram que 3/4 da sociedade estão sintonizados com o problema, é alta a consciência das pessoas e há uma clara sensação, apesar de o governo estar dizendo o contrário, de que tem perda sim. As pessoas estão se mobilizando porque sabem que tem perda. E o próprio governo sabe que está perdendo o debate.

Com todas as restrições que temos e com o cerceamento que a mídia faz em colocar o problema em toda a sua dimensão, ela não está conseguindo deixar de falar dos problemas que o projeto tem. Então o movimento sindical conseguiu colocar o problema em pauta. Dia 28 é importante para manifestar a preocupação que a sociedade tem e. ao aumentar a pressão social, espero que aumente a preocupação dos parlamentares com o que eles vão decidir.

Você acha que há chance de barrar a reforma?
O jogo está sendo jogado, não há nada definido sobre o futuro. O movimento sindical sabe que tem que ter muita mobilização. Para que? Para bloquear ou para minimizar perdas. Vai depender do jogo. Se estiver 7X0 para eles, tem que fazer 7X1. Se estiver 0x0, tem que fazer 1. A Previdência é um assunto é sério, tem que ser tratado, mas não desse jeito. Então pode ser que a negociação suscite uma outra etapa, para criar outro projeto. Pode ser um monte de coisa. Pode ser que não se faça nada e o movimento sindical tenha que negociar uma reforma com o governo eleito em 2018. Espero que seja feita uma reforma séria da Previdência e não esse tipo de projeto. Mas se o Congresso decide votar, o movimento sindical vai para lá para ter o máximo de alterações, minimizar a derrota. Se for grande a pressão, batalhar para não votar.

Uma das primeiras coisas que a gente tem que considerar é que uma reforma tributária, uma reforma patrimonial, vender patrimônio do país, uma reforma da Previdência, nada disso pode ser feito sem uma deliberação da sociedade. Estamos transferindo ativos da sociedade para outros, mudando uma regra que afeta toda a sociedade sem que ela tenha decidido que quer enfrentar esse assunto. A sociedade tem direito de não querer. E se quebrar? Vai ter que achar uma solução.

E tem a questão da legitimidade do governo para fazer isso.
Não pode alguém chegar, em uma sociedade democrática, e decidir fazer uma reforma deste tipo sem a sociedade decidir o projeto que quer. No caso da Previdência, nenhum dos candidatos na última eleição apresentou claramente um projeto desse. Esse presidente não foi eleito para fazer isso. E o que as pesquisas mostram, hoje, é que a sociedade está dizendo que não quer e o governo está dizendo que vai fazer. Um governo de transição, em fim de mandato, fazendo reformas que a sociedade não autorizou. Diz que é para tirar o país da recessão e nós dizemos que não, não é. É para fazer outro país. E o país que vai sair dessas reformas talvez não tenha nada a ver com o que a gente imagina do que deveria ser a sociedade brasileira. São mudanças radicais do ponto de vista da natureza do Estado, da natureza do nosso desenvolvimento.

E, no caso da Previdência, é muita coisa. O governo está dizendo que se mexer nos parâmetros resolve todo o problema de financiamento e de gestão. Nós estamos dizendo que não, não resolve, sequer estão falando nisso. Só falam em reduzir a despesa, reduzindo direitos, fazendo com que menos gente tenha acesso aos benefícios e que, quando acessam, os benefícios sejam menores.

É preciso reformar a Previdência?
O Brasil precisa de uma reforma da Previdência bem montada, que considere receita, gestão e revisão dos parâmetros. Acho que o 85/95 foi um passo importante e podia ser aprimorado, para termos uma regra que recepcione as desigualdades que existem no mercado de trabalho, acompanhada de outras mudanças, muitas delas já discutidas há algum tempo. Mas não esta reforma que foi apresentada. Já fizemos propostas para mexer no campo das receitas, falamos lá atrás que desonerar a folha de pagamento de 50 setores não era algo pontual, era melhor ter feito uma reforma tributária e reduzir o custo do trabalho onerando em 20% a menos o custo do trabalho e financiar a Previdência com uma CPMF, com toda a sociedade. Fazer uma reorganização tributária, com o custo do trabalho 20% menor e toda a sociedade pagando um imposto maior sobre determinada coisa. Isso teria mais inteligente do que fazer uma desoneração e esperado a iniciativa dos empresários de investir, virou desoneração sem investimento.

O que falta é articular a reorganização pensando no comportamento do mercado de trabalho no longo prazo, em uma sociedade que tende cada vez mais a deslocar os empregos para o setor de serviços, reduzir cada vez mais a permanência em empregos estáveis, um fluxo de entrada e saída do mercado de trabalho mais intenso, tempos contributivos menores, tendência de maior instabilidade no mercado. Em um mercado mais desestruturado, tem que se pensar outra fonte de financiamento da Previdência. É evidente que a participação contributiva na folha tende a diminuir, se nada for feito. Então um pensamento estratégico da questão da Previdência exige uma discussão tributária, para manter os atuais direitos. Se as pessoas estão vivendo mais, se as diferenças entre homens e mulheres diminuir, é razoável que se pense em uma curva de conversão. Acumular duas aposentadorias de R$ 20 mil não faz sentido, mas acumular dois salários mínimos não é a mesma coisa. A regra de aposentadoria de funcionários públicos já mudou, não há mais, entre os funcionários que entraram desde 2013, possibilidade de acumular aposentadorias de R$ 30 mil. Esta regra foi feita, mudou em 2012. Agora estão fazendo regras para afetar os pobres, os 3/4 do custo da Previdência pagos a quem ganha salário mínimo. (Fonte:Portal Previdência Mitos e Verdades)