Publicado em 16/01/2020
Além de não trazer nenhum benefício aos trabalhadores, o novo decreto presidencial acaba por violar a própria lei do trabalho temporário
Publicado no Diário Oficial da União no último dia 15 de outubro, o Decreto nº 10.060, de 14 de outubro de 2019, passa a regulamentar a lei do trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974), cuja regulamentação era feita anteriormente pelo Decreto nº 73.841, de 13 de março de 1974, o qual fora integralmente revogado pelo novo decreto presidencial.
Muito embora diversos sítios eletrônicos de notícias estejam divulgando aspectos [supostamente] positivos no texto do decreto, a verdade é que, em leitura conjunta da nova regulamentação com a Lei nº 6.019/1974, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a Constituição Federal de 1988 (CF/88) e a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho (TST), não restam dúvidas de que, mais uma vez, a atuação do governo federal representa uma afronta aos direitos do trabalhador, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho.
De início, cumpre destacar que, ao chefe do Poder Executivo, é conferida a atribuição do chamado "poder regulamentar de execução", cujo objetivo é o de expedir regulamentos que propiciem a fiel execução da lei, explicando o modo, a operacionalização e os pormenores para a adequada execução de uma norma. Nesse sentido, portanto, é evidente que o novo decreto regulamentador do trabalho temporário deveria ater-se à mera sistematização e regulamentação das disposições normativas trazidas pela lei dessa modalidade de labor.
Ocorre, todavia, que, além de não trazer nenhum benefício aos trabalhadores, o novo decreto presidencial acaba por violar a própria lei do trabalho temporário, em total absurdo no ordenamento jurídico brasileiro, sendo este mais um dos tantos já cometidos pelo atual governo.
Entenda as alterações - No tocante ao prazo de duração do contrato de trabalho temporário, o decreto regulamentou o que já estava em vigor desde 2017, com a edição da Lei nº 13.429/2017: prazo máximo de até 180 dias, com a possibilidade de ser prorrogado por até 90 dias, acrescentando, todavia, no caput e no parágrafo único do art. 27, que a contagem dos 180 ou dos 90 dias será de forma corrida, independentemente de a prestação de serviços ocorrer em dias consecutivos ou não.
Dessa forma, referidos prazos devem ser contados de forma corrida, incluindo os intervalos contratuais, e não apenas considerando só os dias efetivamente trabalhados, previsão esta que atende à proposta do governo de encerramento cada vez mais rápido do contrato de trabalho, com o consequente descarte mais rápido do trabalhador temporário.
Sem indenização por dispensa - Já com relação aos direitos do trabalhador temporário, o decreto não mais discrimina o direito à indenização em caso de dispensa sem justa causa ou término normal contrato, correspondente a 1/12 (um doze avos) do pagamento recebido pelo obreiro, previsto no art. 12, alínea "f" da lei do trabalho temporário e cuja previsão existia no antigo decreto que regulamentava a lei, em seu art. 17, inciso III.
Corte de férias proporcionais - Ainda com relação aos direitos do trabalhador temporário, ao tratar acerca das férias proporcionais, o novo decreto viola não apenas o art. 12, alínea "c", da Lei nº 6.019/1974, mas também a própria CLT, ao afirmar, no parágrafo único de seu art. 20, que, para fins do pagamento das férias proporcionais, será considerada como mês completo a fração igual ou superior a quinze dias úteis, em total arrepio ao previsto no art. 146, parágrafo único, da CLT e informação que igualmente sequer existia no decreto já revogado, conforme leitura de seu art. 17, III.
Também quanto ao direito às férias proporcionais, o decreto afirma, em seu art. 20, inciso II, que seu valor será calculado na base de um doze avos do último salário percebido por mês trabalhado, ou seja, novamente violando o disposto na Consolidação Obreira, que, em seu art. 142, §6º, deixa claro que o cálculo das férias deverá observar a média duodecimal recebida no período aquisitivo de férias, a fim de evitar qualquer prejuízo salarial ao trabalhador caso o valor de sua remuneração a quando da concessão das férias seja inferior àquele da época do período de aquisição desse direito.
Sem limites para horas extraordinárias - Não bastassem os pontos acima comentados, de extrema relevância destacar também o decreto não apresenta nenhuma limitação diária de horas extraordinárias a serem exercidas pelo trabalhador temporário, em desacordo com o art. 12, alínea "b" da lei de trabalho temporário e com o art. 59, caput, da CLT, deixando ao livre arbítrio da empresa tomadora de serviços utilizar-se dos trabalhadores sem a devida observância de princípios relacionados às normas de medicina, higiene e segurança do trabalho, eis que a nova regulamentação dá margem a esse tipo de conduta, deixando o obreiro desprotegido neste particular.
Ademais, ainda com relação à jornada do trabalhador temporário, o parágrafo primeiro do art. 21 do decreto admite que esta poderá ser superior a oito horas diárias na hipótese de a empresa tomadora de serviços utilizar jornada de trabalho específica, sem, contudo, expor o que seria a chamada "jornada de trabalho específica", visto que se trata de conceito juridicamente aberto e, portanto, que deixa o trabalhador à mercê de abusos patronais. Sobre este ponto, aliás, convém salientar que o art. 18 do decreto revogado excepcionava a observância da jornada de oito horas diárias apenas diante de disposições legais específicas concernentes a peculiaridades profissionais, requisito retirado, contudo, do atual decreto.
Corte de indenização por dispensa ou fim do contrato - Não obstante todos os aspectos negativos já apresentados, a lista de assassinatos aos direitos laborais continua. Conforme dispõe o art. 25 do decreto, é excluído dos trabalhadores temporários o direito à indenização prevista no art. 479 da CLT, aplicável em caso de dispensa sem justa causa do trabalhador antes do prazo previsto para o término do contrato, norma não prevista na lei do trabalho temporário e que, portanto, o decreto não poderia trazer tal proibição, eis que atenta contra princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, o princípio da legalidade (art. 5º, II, CF/88).
Fonte: Carta Capital