Publicado em 25/03/2020
Ao discursar em rádios e TVs, presidente distorceu dados e contrariou recomendações de seu próprio governo
Muito do que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pronunciou ao povo em televisões e rádios nacionais, na noite de terça-feira (24), é o contrário do que indicam Ministério da Saúde e especialistas da área para combater o coronavírus.
O discurso, outra vez, foi de quem faz pouco caso da pandemia - ele criticou recomendações feitas por seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, como o isolamento social para todos, minimizou os danos à população, culpou novamente a imprensa pela "histeria" e voltou a chamar a doença que já matou 46 brasileiros, até esta quarta-feira (25), de "gripezinha".
O Brasil de Fato listou pontos falsos ou inconsistentes na fala do presidente:
A sugestão do presidente de que em países com o clima tropical, como o Brasil, o vírus se alastraria menos não tem consistência científica. Pesquisadores ainda não têm consenso sobre a resistência do vírus a temperaturas quentes ou frias.
O que há é um estudo da universidade chinesa Sun Yat-sem, que indica que o novo coronavírus se dissemina com menos velocidade em temperaturas quentes, o que não significa que ele não possa se espalhar e gerar os mesmos riscos.
Uma evidência da inconsistência da fala presidencial é que, até o momento, a curva de contaminação no Brasil é maior do que na Itália.
O otimismo de Bolsonaro não encontra base nos discursos públicos de Luiz Henrique Mandetta. O ministro da Saúde tem, insistentemente, reforçado a gravidade da situação - em entrevista coletiva ao lado do presidente, em 18 de março, ele sinalizou que "teremos dias duros" e que "passaremos por muito estresse".
Na mesma entrevista, outro ministro, o da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, afirmou que estamos travando "uma guerra contra um inimigo invisível e feroz", claramente indicando que não vivemos um momento banal da história.
Sem a descoberta de uma vacina, por ora nenhum país do mundo consegue determinar por quanto tempo a pandemia vai durar – se será breve, ninguém sabe.
Os dados não são conclusivos sobre o percentual de casos que não apresentam sintomas. Alguns estudos, contudo, apontam números abaixo dos apresentados por Bolsonaro.
Um estudo realizado por pesquisadores holandeses e belgas, publicado na base de dados medRxiv, por exemplo, aponta que, em Tianjin, na China, 62% dos casos de infecção pelo novo coronavírus são de pessoas assintomáticas.
Já o jornal South China Morning Post publicou que, segundo autoridades chinesas, 30% dos infectados não apresentam sintomas. O número é semelhante ao apresentado por epidemiologistas do Japão (30,8%).
Bolsonaro deveria se preocupar, segundo recomendações de autoridades mundiais da saúde. Com 65 anos recém-completados, ele faz parte do grupo de risco para a covid-19.
Além disso, a ciência não banca que um passado de prática esportiva renda proteção contra doenças virais. Exemplo disso são vários atletas de alto nível que contraíram o novo coronavírus, como os jogadores da NBA Kevin Durant, Rudy Gobert e Donavan Michell, os futebolistas Paulo Dybala e Blaise Matuidi e o astro francês do vôlei Earvin Ngapeth.
Sugerir o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina contra o tratamento contra o coronavírus ainda é precipitado. Embora alguns estudos preliminares apontem que a medicação pode zerar a carga viral em casos de covid, as amostras ainda são pequenas.
O Ministério da Saúde diz que mantém um grupo técnico que estuda a eficácia da medicação e, em breve, deve anunciar resultados para, aí sim, pode recomendar o uso com consistência científica.
Fonte: Brail de Fato